Comungar pouco ou muito n\u00e3o \u00e9 a quest\u00e3o. Comungar bem, eis o que verdadeiramente importa, seja para acabar com as comunh\u00f5es sacr\u00edlegas, seja para crescer na intimidade com Deus. <\/em><\/strong>

As leis da Igreja variaram nesse ponto, segundo as diversas situa\u00e7\u00f5es. Com efeito,\u00a0na Igreja primitiva, quando vigorava uma maior devo\u00e7\u00e3o da f\u00e9 crist\u00e3, o costume era a comunh\u00e3o di\u00e1ria dos fi\u00e9is<\/strong>. Por isso, o Papa Anacleto diz: \u201cTerminada a consagra\u00e7\u00e3o, todos comunguem, se n\u00e3o quiserem p\u00f4r-se fora dos limites da Igreja, pois assim prescreveram os Ap\u00f3stolos e a Santa Igreja romana mant\u00e9m como uso\u201d.<\/p>

Em momento ulterior, o fervor da f\u00e9 arrefeceu<\/strong>, e o Papa Fabiano concedeu que \u201cse todos n\u00e3o comungam frequentemente, que o fa\u00e7am pelo menos tr\u00eas vezes no ano\u201d, a saber, \u201cna P\u00e1scoa, Pentecostes e Natal do Senhor\u201d. O Papa Sotero disse que tamb\u00e9m se devia comungar na Quinta-feira Santa, como consta nos decretos.<\/p>

Mais tarde, \u201cdevido \u00e0 crescente iniquidade, tendo arrefecido o amor na maioria\u201d<\/strong>, o Papa Inoc\u00eancio III decidiu\u00a0que os fi\u00e9is comungassem \u201cao menos uma vez por ano\u201d<\/strong>, a saber, \u201cpor ocasi\u00e3o da P\u00e1scoa\u201d. [1]<\/blockquote>\n\n\n\n

A rela\u00e7\u00e3o que se verifica no coment\u00e1rio do Aquinate \u00e9 bem clara: quanto mais devotos forem os crist\u00e3os, mais frequentes ser\u00e3o as suas comunh\u00f5es<\/strong>. Para medir, portanto, se \u00e9 bom ou ruim que haja tantas pessoas comungando, o que importa analisar n\u00e3o \u00e9 tanto o tamanho das prociss\u00f5es que se formam nas igrejas, mas sim o estado de alma<\/em> em que se comunga.<\/p>\n\n\n\n

Nessa mat\u00e9ria, nunca insistiremos o suficiente no grande mal que s\u00e3o as comunh\u00f5es sacr\u00edlegas<\/em>. Se \u00e9 verdade que, nas palavras de Santo Ambr\u00f3sio, a H\u00f3stia consagrada \u00e9 verdadeira \u201cmedicina espiritual\u201d [2] e vigor para os fracos, igualmente verdadeiro \u00e9 que \u201cquem come e bebe indignamente o Corpo e o Sangue do Senhor, come e bebe a pr\u00f3pria condena\u00e7\u00e3o\u201d (1Cor<\/em> 11, 29). Santo Tom\u00e1s explica que \u201cnem todas as medicinas s\u00e3o boas para todas as enfermidades<\/strong>\u201d [3]. Assim como um paciente na UTI n\u00e3o tem condi\u00e7\u00f5es de comer um prato de feijoada, n\u00e3o s\u00e3o todas as pessoas que devem tomar o rem\u00e9dio eucar\u00edstico.

Expliquemos melhor: n\u00e3o se trata de \u201cimpor barreiras\u201d \u00e0 a\u00e7\u00e3o da gra\u00e7a de Deus, ou de excluir arbitrariamente as pessoas do contato com Ele. A Comunh\u00e3o foi institu\u00edda por Nosso Senhor para todos<\/strong>; em seu discurso sobre o p\u00e3o da vida, n\u00e3o resta d\u00favida de que era \u00e0 totalidade dos disc\u00edpulos que se dirigiam os seus desejos de uni\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o pode participar do banquete de n\u00fapcias, no entanto, quem n\u00e3o est\u00e1 em trajes de festa<\/em> (cf. Mt<\/em> 22, 1-14). A uni\u00e3o que acontece em toda Comunh\u00e3o, entre Cristo e a nossa alma, pressup\u00f5e uma comunh\u00e3o anterior<\/strong>, a que a Igreja sempre chamou \u201cestado de gra\u00e7a\u201d. Sem essa realidade \u2014 infundida em n\u00f3s pelo sacramento do Batismo e devolvida a n\u00f3s, quando pecamos mortalmente, pelo sacramento da Penit\u00eancia \u2014, n\u00e3o importa quantas vezes toquemos e comunguemos o Corpo do Senhor, nossa uni\u00e3o com Deus jamais acontecer\u00e1 efetivamente<\/strong>. Ao contr\u00e1rio, s\u00f3 tornaremos pior a nossa situa\u00e7\u00e3o, assim como uma pessoa que come todo tipo de alimentos sem que esteja, no entanto, com o organismo preparado para isso.<\/p>\n\n\n\n

Essas considera\u00e7\u00f5es, \u00e9 claro, est\u00e3o longe de abarcar a totalidade<\/em> do mist\u00e9rio de nossa comunh\u00e3o com Deus. Assim como n\u00e3o se ama algu\u00e9m simplesmente evitando esta ou aquela conduta espec\u00edfica, o principal em nosso relacionamento com Deus \u00e9 pensar no que devemos fazer para am\u00e1-lO<\/strong>, comungando cada vez melhor.

Para tanto, muito pode nos ajudar o famoso epis\u00f3dio da mulher hemorro\u00edssa (cf. Mc<\/em> 5, 25-34), a qual, no meio duma multid\u00e3o que acotovelava Jesus e O movia de l\u00e1 para c\u00e1, foi a \u00fanica a receber do contato com Ele for\u00e7a divina para curar a sua enfermidade<\/strong>. O segredo daquela mulher simples era sobretudo a sua f\u00e9<\/em> e, tamb\u00e9m hoje, para que nossas comunh\u00f5es sejam verdadeira uni\u00e3o com Deus, \u00e9 essa f\u00e9 que devemos pedir a Ele.

Do contr\u00e1rio, apesar das muitas comunh\u00f5es em nossas igrejas, poucos ser\u00e3o os verdadeiros \u201ccomungantes\u201d; apesar das muitas pessoas que se acotovelam para receber Jesus na Eucaristia, poucos ser\u00e3o os verdadeiramente beneficiados por esse sacramento. Mais do que comungar muito ou pouco,<\/strong> portanto, o que importa de fato \u00e9 comungar bem<\/strong>: comungar estando na gra\u00e7a de Deus, comungar com f\u00e9, comungar consciente da grandeza do Criador e da baixeza da criatura, comungar temendo<\/em> ofend\u00ea-lO e, ao mesmo tempo, querendo am\u00e1-lO<\/em>.<\/p>\n\n\n\n

Pe\u00e7amos, pois, a Jesus sacramentado, antes de toda Comunh\u00e3o, que o seu Corpo e o seu Sangue non proveniant in iudicium et condemnationem<\/em>, \u201cn\u00e3o se tornem causa de ju\u00edzo e condena\u00e7\u00e3o<\/strong>\u201d, sed prosint ad tutamentum mentis et corporis, et ad medelam percipiendam<\/em>, mas \u201csejam sustento e rem\u00e9dio\u201d para nossa vida.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o nos esque\u00e7amos, tamb\u00e9m, de uma \u00faltima coisa: sempre seremos indignos<\/strong> de receber Deus presente no Sant\u00edssimo Sacramento<\/strong>. Por isso mesmo rezamos em todas as Missas: Domine, non sum dignus ut intres sub tectum meum, sed tantum dic verbo et sanabitur anima mea<\/em>, \u201cSenhor, eu n\u00e3o sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e minh\u2019alma ser\u00e1 salva\u201d. Sempre que nos aproximarmos dEle, n\u00e3o ser\u00e1 por m\u00e9rito nosso, mas por pura gratuidade e miseric\u00f3rdia da parte de Deus<\/strong>.

Esse pensamento, longe de nos afastar da Eucaristia, s\u00f3 deve fazer crescer ainda mais a nossa confian\u00e7a, porque \u00e9 atrav\u00e9s deste alimento que seremos elevados mais rapidamente \u00e0 santidade<\/strong> que Deus tanto espera de n\u00f3s. \u201cPor isso, a Pedro que diz a Jesus: \u2018Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador\u2019, o Senhor responde: \u2018N\u00e3o temas\u2019\u201d [4].<\/p>\n\n\n\n

Refer\u00eancias<\/h3>\n\n\n\n

1. Suma Teol\u00f3gica<\/em>, III, q. 80, a. 10, ad 5.<\/li>
2. \u201cDevo receb\u00ea-lo sempre, para que sempre perdoe os meus pecados. Se peco continuamente, devo ter sempre um rem\u00e9dio\u201d (Santo Ambr\u00f3sio, De Sacramentis<\/em>, IV, 6, 28: PL<\/em> 16, 464). \u201cAquele que comeu o man\u00e1, morreu; aquele que come deste corpo, obter\u00e1 o perd\u00e3o dos seus pecados\u201d (Ibid.<\/em>, IV, 5, 24: op. cit.<\/em>, 463).<\/li>
3. Suma Teol\u00f3gica<\/em>, III, q. 80, a. 4, ad 2.<\/li>
4. Suma Teol\u00f3gica<\/em>, III, q. 80, a. 10, ad 3.<\/li><\/ol>\n\n\n\n

   (Por Equipe Christo Nihil Praeponere)<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

   Comungar pouco ou muito n\u00e3o \u00e9 a quest\u00e3o. Comungar bem, eis o que verdadeiramente importa, seja para acabar com as comunh\u00f5es sacr\u00edlegas, seja para crescer na intimidade com Deus. As leis da Igreja variaram nesse ponto, segundo as diversas situa\u00e7\u00f5es. Com efeito,\u00a0na Igreja primitiva, quando vigorava uma maior devo\u00e7\u00e3o da f\u00e9 crist\u00e3, o costume era …<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":14240,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_seopress_robots_primary_cat":"none","_seopress_titles_title":"","_seopress_titles_desc":"","_seopress_robots_index":"","footnotes":""},"categories":[36],"tags":[3599,3600],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.catolicismoromano.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/14229"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.catolicismoromano.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.catolicismoromano.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.catolicismoromano.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.catolicismoromano.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=14229"}],"version-history":[{"count":3,"href":"https:\/\/www.catolicismoromano.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/14229\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":15320,"href":"https:\/\/www.catolicismoromano.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/14229\/revisions\/15320"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.catolicismoromano.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/14240"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.catolicismoromano.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=14229"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.catolicismoromano.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=14229"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.catolicismoromano.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=14229"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}