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PAPA EMÉRITO BENTO XVI ROMPE NOVAMENTE O SILÊNCIO E RETORNA A IMAGEM DA BARCA EM MEIO A TEMPESTADE

Paramentos Litúrgicos

Papa Emérito Bento XVITrês acontecimentos recentes nos levaram a refletir novamente sobre o impacto da renúncia de Bento XVI, sua catequese e seu testemunho nos tempos convulsivos da atualidade. O primeiro foi o fato de que a página no Facebook dedicada ao secretário pessoal de Bento XVI, Dom Georg Ganswein, página que afirma ser por ele chancelada, não ter postado fotos da visita de Francisco a Bento XVI.

Esta visita ocorreu por ocasião da comemoração do seu 90º aniversário.

 

O segundo, dois meses depois: o encontro de Francisco e Bento XVI, que ocorreria de novo, amplamente divulgado (com fotos e vídeos), onde Bento XVI – muito frágil – afirmara aos cinco novos cardeais que o visitavam: “Sigamos com a Cruz, porém, ao fim, é o Senhor quem vence”. Enquanto alguns se indagavam sobre o significado daquela afirmação, naquele contexto, então ocorreu o terceiro fato que fez Bento XVI voltar a sair do silêncio, pouco mais de quinze dias depois: a morte do Cardeal alemão Joachim Meisner (um dos autores do Dubia), que fez Bento XVI enviar uma mensagem especial para ser lida por Ganswein, nas exéquias de Meisner, onde destacou: “O Senhor não abandona a sua Igreja, mesmo se, às vezes, a barca esteja quase repleta a ponto de soçobrar.”

Ainda pouco antes do conclave de 2005, que o elegeria sucessor de São João Paulo II, impactaram as palavras do então Cardeal Joseph Ratzinger, na Via Crucis, proferidas no Coliseu:

“Quanta sujeira existe na Igreja, e justamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele. Quanta soberba, quanta auto-suficiência! Quão pouco respeito ao sacramento da reconciliação, no qual Ele nos espera, para nos reerguer de nossas quedas! (…) Senhor, frequentemente a tua Igreja nos parece um barco que está para afundar, um barco no qual entra água de todos os lados. E também no teu campo de trigo, vemos mais discórdia do que trigo. As vestes e a face sujas da tua Igreja nos causam aflição. Mas somos nós mesmos a nos sujar! Somos nós mesmos a te trair, depois de nossos grandiloquentes discursos e de nossos gestos plateais. (…) Salva e santifica a tua Igreja. Salva e santifica todos nós!”

Bento XVI utilizou também a imagem da barca no pronunciamento na última audiência geral, em 27 de fevereiro de 2013, na Praça de São Pedro, dizendo:

“Foi um trecho de caminho da Igreja que teve momentos de alegria e de luz, mas também momentos nada fáceis; senti-me como São Pedro com os Apóstolos no barco no lago da Galileia: o Senhor nos deu tantos dias de sol e de brisa leve, dias em que a pesca foi abundante; também houve momentos em que as águas estavam agitadas, e o vento, contrário, como em toda a história da Igreja, e o Senhor parecia dormir. Mas sempre soube que, naquele barco, está o Senhor e sempre soube que o barco da Igreja não é meu, não é nosso, mas é Seu. E o Senhor não vai deixá-lo afundar; é Ele quem o conduz, certamente também através dos homens que Ele escolheu, porque assim quis. Essa foi e é uma certeza, que nada pode ofuscar. E é por isso que, hoje, o meu coração transborda de gratidão a Deus, porque nunca deixou faltar a toda a Igreja e também a mim a sua consolação, a sua luz, o seu amor.”

Dias depois, em sua última homilia como papa, na Quarta-Feira de Cinzas de 2013, manifestou tristeza pelas “divisões no corpo eclesial”, ad intra. Naquele mesmo dia, antes da celebração eucarística, esteve “ao redor do túmulo do Apóstolo Pedro inclusive para pedir a sua intercessão em favor do caminho da Igreja neste momento particular, renovando a nossa fé no Supremo Pastor, Cristo Senhor” , “pois a barca não é nossa, mas de Cristo”, lembrou em sua última audiência geral.

Em várias ocasiões de seu pontificado, Bento XVI recorreu a essa significativa passagem do Evangelho, quando os apóstolos em alto mar, são tomados pela tempestade, e também pelo medo, pela dúvida, pelo não saber o que fazer, até que Jesus aparece andando sobre as águas, e os acalmam, e faz cessar os temores. Assim explicou Bento XVI, em seu Angelus, de 7 de agosto de 2011:

“O mar simboliza a vida presente, a instabilidade do mundo visível; a tempestade indica todos os tipos de tribulação, de dificuldade que oprime o homem. A barca, ao contrário, representa a Igreja construída por Cristo e norteada pelos Apóstolos. Jesus deseja educar os discípulos a suportar com coragem as adversidades da vida, confiando em Deus”.

E acrescenta: 

“Depois, este trecho continua com o gesto do apóstolo Pedro que, tomado por um impulso de amor pelo Mestre, pediu para ir ao seu encontro, caminhando sobre as águas. «Mas, redobrando a violência do vento, teve medo e, começando a afundar, gritou: “Senhor, salva-me!”» (Mt 14, 30). Santo Agostinho, imaginando que se dirigia ao apóstolo, comenta: o Senhor «humilhou-se e pegou-te pela mão. Unicamente com as tuas forças, não consegues levantar-te. Segura na mão daquele que desce até ti» (Enarr. in Ps. 95, 7: PL 36, 1233), e diz isto não apenas a Pedro, mas di-lo também a nós. Pedro caminha sobre as águas não pelas suas próprias forças, mas pela graça divina, na qual crê, e quando se sente dominado pela dúvida, quando deixa de fixar o olhar em Jesus e tem medo do vento, quando não confia plenamente na palavra do Mestre, quer dizer que, interiormente, se está a afastar dele, e é então que corre o risco de afundar no mar da vida, e é assim também para nós: se olharmos unicamente para nós mesmos, tornamo-nos dependentes dos ventos e já não conseguimos atravessar as tempestades, as águas da vida.”

Mas também Bento XVI, profundamente mariano, destaca Nossa Senhora, como “estrela da esperança”, quando a barca parece não suportar o furor das ondas, como explicou em sua homilia de 14 de junho de 2008:

“Eis por que, no mar da vida e da história, Maria resplandece como Estrela de esperança. Não brilha de luz própria, mas reflete a de Cristo, Sol que surgiu no horizonte da humanidade, de modo que, seguindo a Estrela de Maria, possamos orientar-nos na viagem e manter a rota para Cristo, especialmente nos momentos obscuros e agitados. O apóstolo Pedro conheceu bem esta experiência, por tê-la vivido em primeira pessoa. Uma noite, quando atravessavam o lago da Galileia com os outros discípulos, foi surpreendido pela tempestade. A sua barca, à mercê das ondas, não conseguia prosseguir. Jesus alcançou-os naquele momento caminhando sobre as águas, e convidou Pedro a descer da barca e a aproximar-se. Pedro deu alguns passos entre as ondas, mas depois sentiu-se afundar e então bradou: ‘Senhor, salva-me!’. Jesus segurou-o por uma mão e pô-lo em salvo (cf. Mt 14, 24-33). Depois este episódio revelou ser um sinal daquela prova pela qual Pedro devia passar no momento da paixão de Jesus. Quando o Senhor foi preso, ele teve medo e renegou-o três vezes: foi subjugado pela tempestade. Mas quando os seus olhos se cruzaram com o olhar de Cristo, a misericórdia de Deus retomou-o e, desfazendo-se em lágrimas, levantou-o da sua queda.”

Não somente Pedro, mas também Paulo vivenciou a experiência profunda do abandono em Deus, em meio a um naufrágio, como Bento XVI se recorda em sua homilia de 18 de abril de 2010:

“…a narração do naufrágio de Paulo no litoral de Malta e a calorosa hospitalidade que lhe foi reservada pela população destas ilhas. Observai como os componentes da tripulação do barco, para poder sobreviver, foram obrigados a lançar borda fora toda a carga, os equipamentos do barco e até mesmo o trigo, que era o seu único sustento. Paulo exortou-os a depositar a sua confiança unicamente em Deus, enquanto o barco era sacudido pelas ondas. Também nós temos que depositar a nossa confiança somente nele. Somos tentados a pensar que a tecnologia avançada dos nossos dias possa satisfazer todos os nossos desejos e salvar-nos dos perigos que nos angustiam. Mas não é assim. Em cada momento da nossa vida, dependemos inteiramente de Deus no qual vivemos, nos movemos e temos a nossa existência. Só Ele pode proteger-nos do mal, somente ele pode orientar-nos no meio das tempestades da vida e apenas ele pode conduzir-nos para um porto seguro, como fez por Paulo e pelos seus companheiros, à deriva nas costas de Malta. Eles fizeram aquilo que Paulo os exortava a fazer, e foi assim que “todos chegaram à terra sãos e salvos” (Act 27, 44).”

“…ad navem Sancti Petri gubernandam…”

Teria Bento XVI, “com plena liberdade”, visto a necessidade de “lançar borda fora toda a carga”, quando renunciou em 11 de fevereiro de 2013, por ter perdido o vigor necessário, "para governar a barca de São Pedro" [“ad navem Sancti Petri gubernandam”]?

Somente 598 anos antes dele, o papa Gregório XII havia sido forçado a renunciar, em 1415,  em meio ao Grande Cisma do Ocidente. De maneira que, desde aquele período de gravíssima crise na história da Igreja, a renúncia papal estava associada a um tempo de cisma. Daí o trauma causado. Ao ser convocado o Concílio de Constança (1414-1418), havia três papas em litígio, até ser eleito Martinho V, em 11 de novembro de 1417. Foi também naquela época, de muita conturbação, que Jan Huss (precursor do protestantismo), fora condenado à fogueira, em 6 de julho de 1415.

Tantos séculos decorridos, era quase que impossível para um católico conceber a ide

ia de um papa renunciar. O valente São João Paulo II comoveu o mundo com a sua última aparição pública, expressando dor e sofrimento, enquanto pombas brancas sobrevoavam pela janela. De modo algum o papa polonês, acometido por alguns anos pelo mal de Parkinson, desceu da cruz.

Antes de Gregório XII, a Igreja tivera outro papa renunciante: São Celestino V. Quis Bento XVI, de modo muito especial, associar-se a ele, visitando o seu túmulo, em abril de 2009. São Celestino V (canonizado em 3 de maio de 1313) renunciara após um curto pontificado de cinco meses, em 13 de dezembro de 1294. Permaneceu quase dois anos em vida reclusa, até a sua morte, em 19 de maio de 1296. Bento XVI estivera em Áquila, aonde estão os restos mortais de São Celestino V, dias depois da cidade ter sido atingida por um terremoto. Dirigiu-se à Basílica Santa Maria di Collemaggio e, ao se aproximar do túmulo do papa abdicante, tirou o pálio que estava em seus ombros e depositou em cima da urna de vidro, num gesto de forte valor simbólico, que impactou ainda mais quando fez o seu comunicado de renúncia.

É certo que naquele dia, em que a barca havia sido atingida por um raio (mas não fulminante), os católicos ficaram impactados.O fotógrafo Filippo Monteforte registrara o momento exato em que a cúpula da Basílica de São Pedro fora atingida por um impressionante raio. É certo que o ato decidido “com plena liberdade”, não foi privado de sofrimento, pois na própria declaração de renúncia, Bento XVI afirmara que o ministério petrino “pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando” (“sed non minus patiendo et orando”). Os dois verbos destacados não foram expressos no indicativo, mas no gerúndio; e o verbo referido ao sofrimento veio antes da referência da oração, o que significou que ele não somente estivesse realmente sofrendo, mas que continuaria “sofrendo e rezando”, no tempo futuro que ainda lhe restava, sabendo que “o manancial é Cristo acreditado e amado, com nossa débil mas sincera fé, apesar de nossa fragilidade” (Bento XVI, Os Apóstolos e os primeiros discípulos de Cristo, Ed. Planeta, do Brasil Ltda, p. 51, São Paulo, 2010).

Nesse sentido, em meio ainda a tantas tribulações, Bento XVI rompe novamente o silêncio, como afirmou aos cinco novos cardeais no recente consitório, para manifestar a inteira confiança de que é preciso seguircom a Cruz, "porém ao fim, éo Senhor quem vence".

Hermes Rodrigues Nery é coordenador do Movimento Legislação e Vida.

 

 

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