Desafio de Sínodo dos Bispos será lidar com paradoxos
O discurso do papa Francisco em defesa da família tradicional, mas reconhecendo a necessidade de aberturas na Igreja Católica diante de novos modelos sociais, reflete o paradoxo a ser enfrentado pela 14ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.
Até 25 de outubro, cerca de 400 cardeais e bispos de todo o mundo permanecerão reunidos no Vaticano para discutir o tema da família e questões polêmicas à Igreja, como o divórcio, o casamento gay, o matrimônio, a constituição de núcleo familiar e o papel das mulheres no mundo atual. Pela primeira vez, 18 casais também participarão dos debates como auditores, entre eles os brasileiros Ketty Abaroa de Rezende e Pedro Jussieu de Rezende.
Ao celebrar a missa de abertura do Sínodo na manhã deste último domingo, o argentino Jorge Mario Bergoglio pediu para os bispos defenderem a união entre um homem e uma mulher, o que ele definiu como "o significado autêntico de casal e da sexualidade humana no projeto de Deus". No entanto, no mesmo discurso, o Pontífice enfatizou que a Igreja precisa "abrir suas portas" sem "julgamentos". "Uma Igreja com portas fechadas trai a si mesma e a sua missão. Ao invés de ser uma ponte, torna-se uma barreira", disse o Papa.
O paradoxo nas palavras de Francisco exemplifica a dificuldade que a Igreja Católica tem enfrentado para preservar seus dogmas, ao mesmo tempo em que toma consciência da necessidade de se adequar a novos modelos de relacionamentos para evitar uma queda drástica de seguidores nas próximas décadas. Em diversas ocasiões desde que assumiu a liderança católica, em março de 2013, Francisco sinalizou que a Igreja deveria ser um local de acolhimento a todos os cristãos, independentemente de suas preferências sexuais ou de seu status matrimonial. O principal obstáculo do Papa tem sido o de demonstrar que o "acolhimento" no serviço pastoral não significa necessariamente a "aceitação" e o "reconhecimento" de certos modelos sociais que vão contra os dogmas da Igreja e aos quais o próprio Francisco se mostra conservador. "As pessoas que começaram uma nova união após seu matrimônio sacramental ter falhado não podem ser excomungadas e não devem ser tratadas como tal. A Igreja sabe que esta situação contradiz o sacramento cristão, todavia, o seu olhar de protetora deve agir sempre como um coração de mãe", disse Francisco em agosto sobre a polêmica com a comunhão de divorciados, proibida atualmente. Por este motivo, a postura de Bergoglio gera tumultos dentro do Vaticano entre alas progressistas e conservadoras. O choque de opiniões ficou evidente em outubro de 2014, quando centenas de bispos e cardeais se reuniram no Vaticano para discutir temas familiares e elaborar o documento preparatório para o Sínodo.
Após discussões que chegaram às manchetes da imprensa internacional, o texto final, redigido pelo cardeal húngaro Péter Erdo, admitiu que "os homossexuais têm dotes e qualidades para oferecer à comunidade cristã, que é capaz de acolhê-los", mas "a união de pessoas do mesmo sexo não pode ser equiparada ao matrimônio entre homem e mulher". De acordo com o professor Fernando Altemeyer Júnior, do Departamento de Ciências da Religião da PUC-SP, o debate sobre o casamento gay e o divórcio aparecerão durante o Sínodo, mas o desafio principal da Igreja será analisar a situação como um todo, incluindo as outras formas de matrimônio que existem fora da cultura ocidental. "Existem modelos poligâmicos, matriarcais, patriarcais, protetores. Quando bispos africanos, chineses, árabes e de outras culturas falarem durante o Sínodo, dará um curto-circuito", comentou o especialista.
"É um ponto complicado e difícil para a Igreja, mais forte que as polêmicas envolvendo gays, camisinhas e aborto". Outro ponto que deve entrar na pauta dos bispos até o fim de outubro é a crise que refugiados que atinge a Europa, com milhares de famílias se deslocando de países em guerra no norte da África e do Oriente Médio. "Este tema corre o risco de se tornar central no Sínodo, pois exige que a Igreja dê respostas a causas atuais", declarou o professor. O especialista também destacou que é grande a expectativa sobre como Francisco conduzirá os resultados do Sínodo.
Historicamente, o texto final costuma ser consultivo, com o Papa selecionando apenas pontos com os quais concorda para, depois, publicar sua exortação apostólica pós-sinodal. Mas devido à propensão de Bergoglio ao diálogo, a declaração da atual assembleia poderá ser deliberativa, na opinião de Altemeyer. "Os debates dentro da Igreja ficaram mais abertos com Francisco, pois os Papas anteriores selecionavam os temas que poderiam ser abordados ou não pelos bispos, dependendo da maturidade dos assuntos e das polêmicas", comentou.