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Os Tempos da Septuagésima e da Quaresma ou o Começo da Redenção

Paramentos Litúrgicos

Nos cinquenta e dois domingos do Ano Litúrgico, a Santa Romana Igreja repete a vida de Cristo, celebrando os mistérios principais da Redenção, para glória de Deus e nossa instrução. Nos tempos da Septuagésima, da Quaresma e da Paixão assistimos a luta de Cristo contra o demônio, que culminará com sua vitória sobre a morte na Ressurreição.

I. Introdução A Santa Romana Igreja, em sua sabedoria, nos leva à meditação dos diversos mistérios da Fé Católica por meio do Ano Litúrgico, o qual, pela sucessão de cinqüenta e dois Domingos, com suas respectivas semanas e festas ocorrentes, repete a vida de Cristo, celebrando os mistérios principais do Redentor (REUS, p. 117, § 247). Com efeito, tais celebrações foram especialmente estabelecidas pela Igreja para o culto de Deus, prestando-lhe a suprema adoração, louvor, ação de graças e reparação: mas tudo nelas foi disposto igualmente de forma a inculcar em nós os mistérios celebrados e mover os afetos correspondentes. Com isso, “se os fiéis estivessem bem instruídos sobre o assunto e celebrassem as festas com o espírito que inspirou a Igreja ao instituí-las, havia de conseguir-se uma renovação e um aumento considerável de fé, de piedade e de instrução religiosa, e, por conseguinte, toda a vida dos cristãos seria melhorada e robustecida” (PERARDI, p. 612). Os Ciclos do Natal e da Páscoa são os dois polos que constituem e estruturam todo o Ano Litúrgico, sendo a Páscoa a solenidade das solenidades e a celebração do ciclo natalício dependendo essencialmente dela. Pois uma vez que, se Deus se encarnou para vir até os homens, fez isso para elevá-los até Ele: enquanto no ciclo da encarnação vemos como Deus reveste nossa humanidade, no ciclo da redenção vemos Jesus Nosso Senhor que “nos divinitatis suae tribueret esse particepes” (“que nos concedeu ser participantes de sua divindade”. Prefácio da Festa da Ascenção do Senhor). Por isso, enquanto, no primeiro ciclo, a Igreja insiste na divindade gloriosa de Nosso Senhor, no segundo, a Igreja nos mostra como Ele mereceu e nos concedeu essa participação à sua divindade pela graça santificante. Ademais, ver-se-á, nos tempos da Septuagésima, da Quaresma e da Paixão, o grande drama da violenta luta entre Cristo e o demônio, luta esta que Cristo, sendo verdadeiro Deus, não perderá, e obterá a vitória Pascal sobre o demônio, o mundo e a carne, os inimigos de nossa alma. Pela sua Paixão, Morte e Ressurreição, triunfa Cristo sobre a morte e dá a vida àqueles que estavam na tumba: “Χριστὸς ἀνέστη ἐκ νεκρῶν, θανάτῳ θάνατον πατήσας, καὶ τοῖς ἐν τοῖς μνήμασι, ζωὴν χαρισάμενος!” (“Cristo ressuscitou dente os mortos, com a morte, triunfando sobre a morte e, àqueles que estão no abismo, dando a vida”. Tropário pascal, Rito Bizantino). (JOLY, p. 174).     II. O tempo da Septuagésima Após nos apresentar Jesus Cristo em sua glória divina na festa da Epifania e nos Domingos que a sucedem, durante os quais são apresentados os sucessivos milagres que Nosso Senhor realizou, clamando a toda Terra para adorar e louvar o Altíssimo (“Omnis terra adóret te, Deus, et psallat tibi: psalmum dicat nómini tuo, Altíssime. “Que toda a terra vos adore, ó Deus, e vos louve: que diga um salmo em vosso nome, ó Altíssimo”. Intróito do II Domingo depois da Epifania), a Igreja apresenta, no tempo da Septuagésima, as profundezas tenebrosas da queda do pecado, de forma a inculcar na mente dos fiéis a condição do homem decaído: Circumdedérut me gémitus mortis, dolóres inférni circumdedérunt me: et in tribulatióne mea invocávi Dóminum, et exaudívit de templo sancto suo vocem meam (“Circundaram-me os gemidos da morte, as dores do inferno circundaram-me: e na minha tribulação invoquei o Senhor, e Ele ouviu de seu tempo santo a minha voz”. Intróito do Domingo da Septuagésima). Assim, a Igreja busca fazer uma transição entre o júbilo das festas do Natal e da Epifania, e a austera penitência quaresmal que vem em seguida, com esse tempo de preparação para o combate, principalmente pelo conhecimento da malícia do pecado. Para melhor preparar os fiéis para esse tempo de penitência, a Igreja relembra os grandes personagens do Antigo Testamento, que prefiguraram Cristo e sua obra salvífica. Com efeito, asseverou Nosso Senhor (São João. V, 39): “scrutamini scripturas […] illae sunt quae testimonium perhibent de me” (“escrutai as escrituras, são elas que dão testemunho de mim”), ou seja, a Antiga Lei tem como centro a vinda do Messias, toda ela figura, anuncia e prepara o seu Advento, como ensina Santo Agostinho: “Omnis Scriptura Christum narrat et charitatem docet: tota lex gravida erat Christo” ( “Toda a Escritura narra Cristo e ensina a caridade: a Lei toda estava grávida de Cristo”. Contra Faustum Manichaeum Libri XXXIII, MIGNE, P.L., t. XLII, p. 207). A Santa Igreja faz em todo o Ano Litúrgico, no Ofício Divino e na Missa, esse paralelismo. Durante a Septuagésima e a Quaresma, podemos ver esse paralelo no quadro apresentado abaixo. Com essas figuras, a Igreja nos apresenta o que devemos esperar do tempo quaresmal a vir. Jesus Cristo, Redentor Nosso, vem para reparar o mal causado por Adão; é Ele o verdadeiro Noé, fundando a verdadeira Arca da Salvação que é a Igreja e fundando um novo povo; Ele, muito mais que Abraão, é o chefe do povo escolhido por Deus para ser o seu e levar a sua Salvação para todo o mundo; mais que Isaac, Ele vem para cumprir os desígnios eternos do Pai; é Ele o verdadeiro protegido e abençoado por Deus, muito mais do que Jacó; Ele, em troca do mal, faz o bem, muito mais do que José; muito mais que Moisés, é ele o liberador de seu povo, o legislador supremo da Nova Lei, e dá o Verdadeiro Pão descido do céu (JOLY, p. 176).   TABELA 1: Paralelo entre os personagens do Antigo Testamento e Nosso Senhor para os tempos da Septuagésima e da Quaresma.

Domingos Leituras do Breviário Leituras da Missa
Septuagésima História de Adão Jesus, o novo Adão.
Sexagésima História de Noé Jesus, o verdadeiro Noé.
Quinquagésima História de Abraão Jesus, o verdadeiro Abraão.
I da Quaresma História de Isaac Jesus no deserto.
II da Quaresma História de Jacó Jesus, o verdadeiro Jacó.
III da Quaresma História de José Jesus, o verdadeiro José.
IV da Quaresma (Laetare) História de Moisés Jesus, o verdadeiro Moisés.

Fonte: JOLY, p. 175. Contempla-se, pois, no Domingo da Septuagésima, a queda de Adão, o pecado original e suas funestas conseqüências. Adão, primeira cabeça da humanidade, não somente é o autor do pecado, mas também figura do segundo chefe da humanidade, Cristo. No Domingo da Sexagésima contemplamos a malícia dos homens, os pecados atuais e o dilúvio, que é seu devido castigo: Noé, salvo do dilúvio e construtor da arca, simboliza a humanidade resgatada pelas águas do batismo e da Igreja. Na Quinquagésima, os sacrifícios de Abraão e de Melquisedeque, prefigurando o sacrifício redentor da Cruz e a instituição do sacrifício da Nova Lei (PARSCH, t. II, p. 14, §1). Também pelas três Epístolas e leituras do Evangelho desse tempo, a Igreja apresenta o espírito do tempo que se aproxima: o convite, a tarefa e o objetivo. Na Septuagésima, recebemos de Deus o convite de entrar na vinha do Reino dos Céus, o qual, diz São Paulo, não se obtém senão pela luta. Na Sexagésima, a Igreja nos indica o que Deus quer fazer: a Igreja e a alma são um imenso campo, e o divino semeador quer lançar nelas sua semente e recolher frutos em abundância; ao mesmo tempo, nos assevera o Apóstolo que a extensão do Reino de Deus exige grandes esforços. Na Quinquagésima vemos o objetivo dessa santa obra: a iluminação no batismo, a iluminação na Páscoa e a glorificação no céu, com o anúncio da Paixão, a grande obra de amor de Deus, destinada a curar os homens do pecado assim como Nosso Senhor curou o cego de Jericó no Evangelho; ao que São Paulo afirma que as obras são vãs sem a caridade. Formam, pois, estas três perícopes um todo harmonioso, destinadas primitivamente aos catecúmenos, mas que dão a todos os fiéis um programa de ascese para o tempo penitencial que se aproxima (JOLY, p. 177; PARSCH, t. II, p. 15, §2). A liturgia da Septuagésima é datada da época de São Gregório Magno (540-604), que é certamente o seu autor. Começa sempre este tempo na nona semana antes do Domingo da Páscoa e compreende três Domingos, chamados de Septuagésima (70º), Sexagésima (60º), e Quinquagésima (50º). Tais designações marcam as dezenas a partir de quadragésima (40º), conforme o termo latino quadragesima, que designa Quaresma, em referência aos quarenta dias de penitência. Não devem ser eles, pois, tomados literalmente, uma vez que não são eles exatos aritmeticamente, dado que as semanas têm sete e não dez dias (JOLY, p. 180). É esse tempo uma preparação próxima à Quaresma e uma preparação remota à Páscoa, uma preparação para a alma, que deve passar da alegria do Natal à penitência da Quaresma. Muito embora, o jejum não seja ainda de rigor, as flores permaneçam sobre o altar e o órgão não seja emudecido, a cor litúrgica é já o roxo. O Gloria in excelsis não mais é cantado, assim como não o foi no Advento, pois que é ele o cântico entoado pelos anjos para celebrar o nascimento do Salvador em sua carne mortal no Natal. Assim, servirá também ele para o novo nascimento em sua carne imortal e gloriosa que será a sua Ressurreição.  Igualmente o Aleluia, o cântico do Senhor, não mais é ouvido – como diz o Martirológio Romano ao anunciar o Domingo da Septuagésima, “Dominica Septuagesimae, in qua deponitur Canticum Domini Alleluia” (“O Domingo da Septuagésima, no qual é deposto o Cântico do Senhor, o Aleluia”, Martyrologium Romanum). Isso se faz pois, como canta o salmista (Sl. CXXXVI, 4), “Quomodo cantabimus canticum Domini in terra aliena?” (“Como cantaremos o cântico do Senhor em terra estrangeira?”). Ora, esta terra estrangeira, para o cristão, é justamente o mundo, local de exílio e sofrimento, como bem exprimimos pela oração Salve Regina: “ad te clamamus exsules filii Hevae, ad te suspiramus, gemente et flente in hac lacrimarum valle” (“a Vós clamamos, os degredados filhos de Eva, a Vós suspiramos gemendo e chorando nesse vale de lágrimas”). Dessa forma, sendo o Aleluia justamente o canto ouvido por São João Evangelista no Paraíso, a liturgia, mais tarde, retomá-lo-á no Tempo Pascal, que representa a beatitude futura, quando Cristo terá vencido o Demônio e, assim, ter-nos-á reaberto a pátria celeste. (JOLY, p. 180).     III. Tempo da Quaresma O tempo da Septuagésima nos relembrou a necessidade de nos unir à obra da Redenção por meio da penitência, por causa de nossa natureza decaída, revoltada contra Deus e escrava da carne, do mundo e do demônio. Em seguida, o tempo da Quaresma, que designa os quarenta dias antecedentes à Páscoa, nos leva a pôr em obra esta associação à Redenção por meio do jejum, da abstinência e das outras práticas de penitência, honrando e imitando o jejum de quarenta dias de Nosso Senhor Jesus Cristo no deserto, em preparação para a festa da Páscoa. Assim sendo, in nuce, a Quaresma, que é de instituição apostólica, vai ser um tempo de quarenta dias de jejum e abstinência, para assim poder se unir à Paixão e, posteriormente, à Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, como bem o atesta o Papa São Leão Magno (390-461), admoestando seus ouvintes a diligentemente cumprir o jejum: ut apostolica institutio quadraginta dierum jejuniis impleatur (“a fim de que seja cumprida a instituição apostólica dos quarenta dias de jejum”) (MIGNE, P.L., t. LIV, p. 633). São Jerônimo (347-420) (Cf. MIGNE, P.L., t. XXII, p. 475) comenta que o número quarenta é o número da pena, da aflição, da penitência: as águas do dilúvio caíram durante quarenta dias e quarenta noites; Moisés e Elias, por um jejum de quarenta dias, se prepararam para se aproximar de Deus, o primeiro no monte Sinai, o segundo no monte Horeb; em punição por sua infidelidade, os judeus erraram durante quarenta anos no deserto; enfim, Nosso Senhor, para nos dar o exemplo, submeteu-se aos rigores do jejum durante quarenta dias no deserto. (FIDELITER E.D.C., p. 146, §1) Assim, a Igreja nos apresenta, com o início da Quaresma, Nosso Senhor Jesus Cristo no deserto (I Domingo da Quaresma), e em sua vida pública, combatendo para nos livrar das cadeias do orgulho, da luxúria e da avareza, que nos afastam de Deus e nos ligam às criaturas (Isso que nada mais é que a definição de pecado: a aversão à Deus e conversão à criatura, aversio a Deo et conversio ad creaturam). Quando, através de seu ensinamento e de sua Santa Paixão e morte na Cruz, Nosso Senhor ter-nos-á tirado dessa dominação do demônio, dando-nos a liberdade dos filhos de Deus, dar-nos-á, na festa de Páscoa, a participação na vida divina que perdêramos com o pecado. Como bem afirma uma das Grandes Orações da Sexta-feira Maior no Rito Bizantino: Μέγα θαῦμα! ὅτι ὁ Κτίστης τοῦ Κόσμου, εἰς χείρας ἀνόμων παραδίδοται, καὶ ἐπὶ ξύλου ἀνυψοῦται ὁ φιλάνθρωπος, ἵνα τοὺς ἐν Ἅδη δεσμώτας ἐλευθερώσῃ, κράζοντας. Μακρόθυμε Κύριε δόξα σοί! (“Ó poderosa maravilha! O Criador do mundo é entregue nas mãos dos homens sem lei, e o Amante da humanidade é levantado sobre a cruz, para que Ele livre do Hades os prisioneiros cativos que clamam: ó resignado Senhor, glória a Vós!”). Por isso mesmo, a liturgia quaresmal servia outrora para a instrução dos catecúmenos e para inspirar a compulsão aos penitentes públicos, que aspiravam a ressuscitar com Nosso Senhor, por meio do batismo ou do sacramento da penitência, no Sábado Santo. São, pois, essas as duas ideias que a Igreja enfocará na Liturgia e, principalmente, nas Perícopes Evangélicas durante esse tempo. Mostra-nos o Evangelho, por meio da infidelidade judaica, que os pecadores somente voltarão à amizade de Deus se associados ao jejum de Cristo (Evangelho do I Domingo da Quaresma);  mostra-nos, pelos gentios chamados a tomar o lugar do povo judeu, os efeitos da Redenção (Evangelhos do II e III Domingos da Quaresma); e, enfim, mostra-nos o efeito da Santa Eucaristia em nossas almas (Evangelho do IV Domingo da Quaresma, Domingo Laetare). (JOLY, p. 197). Durante a Quaresma, como foi apresentado acima (vide Tabela 1), a Santa Madre Igreja prossegue, no Ofício Divino e na Santa Missa, o paralelismo entre os patriarcas da Antiga Aliança e Nosso Senhor. No primeiro Domingo da Quaresma, Isaac, pela sua obediência no Monte Mora, é figura de Nosso Senhor no deserto, onde combate o demônio pela sua obediência aos desígnios do Pai celeste. Na segunda semana, a liturgia nos mostra Jacó, figura de Cristo e de sua Igreja, que Deus protege e abençoa como fez Ele a esse santo patriarca. Na terceira semana, apresenta-se o patriarca José, como figura de Cristo, que do mal fez o bem e brilhou por sua puríssima vida. A quarta semana tem Moisés por figura, ele que libertou o povo de Deus e o conduziu à terra prometida, como Cristo vem para nos tirar do cativeiro desse mundo e nos conduzir ao Paraíso. É, assim, a Quaresma um grande retiro, ao qual é convocada toda a cristandade para se preparar, pela penitência, pela oração e pelo recolhimento, às solenidades pascais. Preparação esta que deve ser completada pela confissão e comunhão pascais. Como Nosso Senhor, que se retirou do mundo durante quarenta dias para jejuar e orar, e então nos ensinar em seu apostolado como morrer a nós mesmos, a Igreja prega na liturgia quaresmal a morte do homem do pecado em nós, para que, então, com Cristo na Páscoa, ressuscitemos “et induamus novum hominem qui secundum Deum creatus est in iustitia et in sanctitate veritatis” (revistamos “o novo homem, que foi criado segundo Deus, na justiça e na santidade da Verdade”. Epístola de São Paulo aos Efésios. IV, 24). Essa morte ocorre, em nossa alma, pela luta contra o orgulho e pela oração e meditação assídua da palavra de Deus; em nosso corpo, pelo jejum, pela abstinência e pela mortificação dos sentidos; ela se manifesta em nossa vida toda por um desprezo das riquezas, dos prazeres e dos bens desse mundo, que nos leva a combater a avareza pela generosa esmola e em se abstendo das festas mundanas. Deve-se, com efeito, lembrar que tais práticas exteriores de penitência são para o cristão a expressão da penitência interior, a qual o leva, por amor de Deus e detestação do pecado a ser reparado, a, livremente, mortificar os seus sentidos. (JOLY, p. 198). Liturgicamente, as austeridades aumentam com o início da Quaresma. O órgão emudece e as flores não mais se encontram nos altares. Cada dia de féria tem uma estação diferente (ou seja, uma igreja romana em que o Santo Padre outrora celebrava solenemente a liturgia, diante do povo romano) e uma liturgia própria, dirigida particularmente para a antiga formação dos catecúmenos e exortação dos penitentes públicos. Ademais, antigamente, nesse tempo não se celebrava nenhuma festa de santos, já que se considerava uma festa algo incompatível com o espírito de penitência desse tempo litúrgico, disciplina essa que se mantém até hoje nas igrejas católicas orientais. Ainda durante as férias, recita-se uma oração sobre os fiéis, oratio super populum, precedida de uma invocação à humilhação diante de Deus: humiliate capita vestra Deo (“humilhai vossas frontes diante de Deus”). (FIDELITER E.D.C., p. 149, §7) Exceção é feita ao IV Domingo, chamado laetare pelo introito “Lætáre, Jerúsalem: et convéntum fácite, omnes qui dilígitis eam: gaudéte cum lætítia, qui in tristítia fuístis: ut exsultétis, et satiémini ab ubéribus consolatiónis vestræ” (“Alegrai-vos, Jerusalém: e reuni todos que a amais: exultai com alegria, vós que estivestes na tristeza: para que exulteis e que sejais saciados dos seios de vossa consolação”. Isaías. LXVI, 10-11). Nesse Domingo há uma pausa na austeridade do tempo, e, faltando duas semanas para a Páscoa – a Semana da Paixão e a Semana Santa, de maior rigor – tem-se um momento de júbilo e reconforto em previsão da Redenção que está por vir. Assim sendo, os paramentos são rosáceos, o órgão e as flores reaparecem momentaneamente e o espírito desse domingo manifesta a alegria diante da salvação iminente: “Lætátus sum in his, quæ dicta sunt mihi: in domum Dómini íbimus” (“Alegrei-me naquilo que me foi dito: vamos para a casa do Senhor”. Salmo CXXI, 1. Introito). Assim sendo, a melhor descrição desse tempo e a melhor forma de podermos nos beneficiar das grandes graças que a Igreja nos propicia nessa época é dada pela antífona do Magnificat das II Vésperas do I Domingo da Quaresma, baseado na Segunda Epístola de São Paulo aos Coríntios, capítulo VI: “Ecce nunc tempus acceptabile, ecce nunc tempus salutis: in his ergo diebus exhibeamus nos sicut Dei ministros, in multa patientia, in jejuniis, in vigiliis, et in caritate non ficta” (Eis agora um tempo favorável, eis agora o tempo da salvação: nesses dias mostremo-nos como ministros de Deus, com muita paciência, em jejuns, em vigílias, e na caridade não fingida).       IV. Bibliografia   FIDELITER E.D.C. La liturgie. Éditions Fideliter : Egelshardt, 1931.   JOLY, Abbé Daniel. Missel quotidien des fidèles. Clovis : Suresnes, 2012.   MIGNE, Abbé Jacques-Paul. Patrologia Latina (P.L.). Chadwyck-Healey: Paris, 1844.   PARSCH, Dom Pius. Le guide dans l’année liturgique. Éditions Salvator : Mulhouse, 1948.   PERARDI, Giuseppe. Novo manual do catequista. União Gráfica: Lisboa, 1958.   REUS, Pe. João Batista. Curso de liturgia. Vozes: Petrópolis, 1944.   SANTA SÉ. Martyrologium Romanum. 1956.

Félix Antônio Ghislieri

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