Cardeal Mauro Piacenza: “Há seminários onde é difícil manter-se fiel à ortodoxia da Igreja”

O cardeal Mauro Piacenza, Prefeito da Congregação para o Clero, proferiu uma conferência em Madri, seguida de um longo colóquio com reitores e formadores de Seminários Maiores.
O purpurado pedia uma « seleção radical » dos seminaristas, advogava por padres pobres, ao serviço do povo e humildes, ao mesmo tempo que mostrava-se defensor do celibato obrigatório, celibato esse que « não é o preço que se deve pagar para ser funcionário de um ONG condenada a desaparecer ».
A expectativa para ver o Prefeito da Congregação para o Clero era grande. De fato, na sala de conferências da Casa de retiros da Anunciação das Escravas de Cristo Rei já não cabia nem mais um alfinete e as irmãs tiveram que improvisar cadeiras fora da sala.
À mesa presidencial do XLII Encontro de Reitores e Formadores de Seminários Maiores, encontrava-se o Prefeito, acompanhado do bispo de Córdoba, Demetrio Fernández, do bispo de Terrasa, José Ángel Sáiz e do secretário da comissão episcopal, Ángel Javier Pérez Pueyo.
Tranquilo, sorridente e com bastante desenvoltura, o cardeal italiano discursou, durante uma hora escassa, sobre « Recepção, atualidade e perspectivas de futuro da Exortação Apostólica Pastores dabo vobis ». Para encerrar sua conferência, Piacenza mencionou a « mudança de circunstâncias », a « velocidade » como característica das sociedades contemporâneas e a rapidez das mudanças. « Hoje, duas décadas podem ser comparadas a dois séculos » – disse. Por isso, convidou os formadores dos seminaristas espanhóis a « levar em consideração essas mudanças », mas « sem perseguir torpemente todas e cada uma das novidades socias, culturais e inclusive informáticas ».
Já entrando no assunto vocacional, Piacenza assegurava que, 20 anos depois da Exortação Pastores dabo vobis, « o problema não é a ocasional falta de vocações mas é um problema de Fé : a Fé das famílias, a Fé das comunidades cristãs, a Fé dos pastores, enfim, o ardor missionário que deve purificar a Fé ». Para reanimar a Fé do povo, de onde nascem as vocações, o purpurado serviu-se de uma receita do papa Francisco : « O imprescindível contato entre o pastor e a ovelha, entre o sacerdote e a comunidade crente da qual provém e à qual é enviado ». Sem esquecer, obviamente, da oração. Segundo seu juízo, é esta « dupla união com Deus e com a comunidade » que impede que o padre de se tornar um mero « funcionário ». Porque « este não é um simples trabalho que deve ser executado ou algumas funções que devem ser realizadas na prática, mas muito pelo contrário, é uma vida para a qual foi escolhido, na qual está imerso e da qual vive concretamente ».
O Cardeal Piacenza afirmou que “da natureza sacramental da Igreja e da necessidade absoluta de seu sacerdócio ministerial, como vocação sobrenatural concedida por Deus ao homem, deriva o primado absoluto da oração na pastoral vocacional”. Por oração ele entende “a oração pessoal pelas vocações: um bispo que não tem vocações deve perguntar quantas horas por dia ele reza para tê-las! Um reitor de seminário que não tem vocações deve fazer o mesmo.” E “junto à oração pessoal é necessário promover a oração comunitária pelas vocações e não só, como se ouve dizer muitas vezes, para sensibilizar o povo de Deus e os jovens – porque isso pareceria uma mensagem publicitária e Francisco estigmatizou essa tentação com palavras inequívocas – mas pela fé granítica que devemos ter na força da oração”.
Depois de insistir na necessidade de rezar (e rezar muito) para as vocações, o curial italiano convidou a « cuidar com todo esmero dos brotos vocacionais nascentes nos coroinhas, nos jovens, nas escolas através dos professores de religião, que não devem dar escândalo com suas conversas sem tom e sem sentido, mas que devem ser pelo contrário modelos exemplares ». Cuidar dos « brotos » e cuidar dos seminários. « É necessário que o seminário seja uma verdadeira comunidade cristã, um lugar no qual o Cristo seja o protagonista, o Evangelho seja anunciado e vivido, a Tradição recebida, elaborada e autenticamente proposta ». Além disso, em época de escassez, não vale qualquer coisa para o seminário. Por isso, Piacenza convidou os formadores a « fazer uma seleção radical » dos aspirantes ao sacerdócio.
Jovens frágeis
Dom Mauro fez um esboço obscuro dos jovens e da sociedade atual. Segundo seu parecer, « os jovens de nosso tempo, mesmo sem culpa, são particularmente frágeis no plano psico-afetivos ». As causas desta fragilidade estão na « proveniência de famílias irregulares, insegurança de não terem sido amados nos primeiros anos da infância, aumento das experiências afetivas improvisadas e até desordenadas ».
Assim, atualmente, existe uma distância « sideral » entre a antropologia cristã e a nossa sociedade. Nós cristãos, segundo o cardeal, não somos todavia uma minoria social, « mas já nos encontramos quase como se estivéssemos fora da cultura ».
Diante desta « clamorosa fragilidade afetiva », o purpurado é partidário de responder com uma « proposta formadora radical », com uma « clara e luminosa teologia » e, evidentemente, com o celibato. « De jeito nenhum o celibato é o « preço que se deve pagar » para ser funcionário de uma organização não-governamental condenada à desaparecer ».
Para que os seminaristas assumam o celibato, Piacenza propôs « que se cuide da afetividade ferida » dos candidatos ao sacerdócio e que lhes seja dada uma uma boa formação humana e espiritual, da qual derivarão « a obediência humilde e a autêntica pobreza ». Como Francisco, Piacenza pede também sacerdotes pobres,« não no sentido demagógico do pauperismo, mas como um autêntico afastamento de si mesmo para o serviço dos demais deixando de lado as outras coisas ». Padres pobres que estejam « constantemente em contato com a comunidade na qual vivem » fugindo « de qualquer forma de isolamento com uma espiritualidade autoreferencial ».
Pobres, encarnados nas suas comunidades e humildes. « É necessário formar sacerdotes humildes, conscientes de que o sacerdócio, presente neles, é um serviço destinado ao Povo de Deus. Como nos lembrou o Papa Francisco, ‘são ungidos para ungir o Povo’ ».
« O trem da Igreja vai rápido hoje »
No momento das perguntas, o cardeal desdobrou, já em italiano, todo o seu saber e experiência de tantos anos como o grande responsável pelo clero católico do mundo inteiro. Piacenza reconhece que, após anos de crise, « hoje o trem da Igreja está andando rápido », mas pede que se continue a formar os seminaristas primeiro « na doutrina segura, antes de submergí-los nas não tão seguras ». O purpurado se queixa dos estragos causados pelo « relativismo de 68, que conduziu ao atual relativismo moral » e que levou a autênticos absurdos, como por exemplo : « celebrar a missa com Coca-Cola em alguns lugares ».
Quando questionado sobre as « vocações importadas » de outros continentes, reconheceu que se trata de um « problema gordo » e ressaltou que, « em princípio, não devem ser recusadas nem aceitas sem mais nem menos ». Sempre com prudência e discernimento. Mas, « se durante séculos a Europa evangelizou o mundo, por que eles não poderiam hoje vir evangelizar-nos ? ».
Um formador do seminário de Barcelona perguntou-lhe sobre a prática dos seminaristas que, pertencendo a uma diocese, vão para o seminário de uma outra diocese. Piacenza respondeu que as « migrações vocacionais » são menos frequentes que há alguns anos atrás, quando alguns seminaristas se sentiam atraídos por « seminários mais tradicionalistas ».
A seu juízo e em princípio, « não é positivo sair de uma diocese para ir ao seminário de outra » mas, como sempre, cada caso deve ser examinado com discernimento. Porque, há alguns anos, « em alguns seminários, eram perseguidos os seminaristas que rezavam o rosário ou que não tivessem tido experiências sexuais ». Um fenômeno que já está quase erradicado, mas ainda não totalmente. « Há seminários de língua mais dura que a espanhola ou portuguesa nos quais ainda é difícil manter-se fiel à ortodoxia da Igreja ». No Encontro de Reitores e Formadores que se termina sexta-feira, intervirão também com propostas de discussão os teológos Santiago del Cura e Olegario González, além de diversas mesas redondas sobre a dimensão comunitária, a dimensão espiritual e a dimensão intelectual da formação vocacional.