Na África, Papa Francisco tentará combater o terrorismo “religioso”
"Matar em nome de Deus é uma blasfêmia". O grito do papa Francisco contra a justificativa religiosa dos atos terroristas que ensanguentaram Paris, a menos de 10 dias de sua viagem à África, dá a medida de um dos maiores desafios que o Pontífice deve enfrentar a partir de amanhã (25).
No Quênia, na Uganda e na República Centro-Africana (RCA), o Pontífice lidará com o papel das diversas religiões que estão unidas para trazer a paz também na África, onde o terrorismo mimetiza-se nas diferenças religiosas, étnicas e tribais.
"Esperamos que o Papa ajude a curar as divisões e que os momentos inter-religiosos ajudem a levar a compreensão aos crentes de diversas fés e a desfazer os medos", afirmou o bispo de Muranga, no Quênia, James Maria Wainaina Kungu.
O bispo queniano lembra sobre o terrorismo religioso em seu país ao recordar do atentado em Garissa, no dia 2 de abril de 2015, em que os jihadistas do grupo al-Shabaab entraram em uma universidade cristã e mataram 148 pessoas, sendo a maioria homens.
"Em Garissa, foi terrorismo apenas. O al-Shabaab entra no Quênia através da Somália e ataca, sobretudo, os turistas. Então, o Quênia entrou militarmente na Somália para responder ao ataque.
É terrorismo. A religião não está em nenhum lugar e não é só em Garissa. O al-Shabaab ataca também supermercados e mata cristãos, hindus e islâmicos", destaca o religioso.
Para ele, os terroristas da organização "querem mostrar que não se pode viver de maneira segura também onde há segurança e controles do Estado para introduzir um elemento de medo".
Na RCA, ao invés disso, o Papa fará com as próprias mãos uma tentativa significativa da convergências das diversas religiões em um programa de pacificação chamado de "Plataforma". Nele, católicos, protestantes e muçulmanos defendem a população civil na situação de incerteza criado por grupos auto-denominados cristãos e islâmicos.
"Até 2012, a relação com o islamismo era pacífica. Depois, começaram a entrar no país mercenários do Chade, Sudão, Senegal e do Mali, assim como rebeldes antigoverno vindos de religiões islâmicas. Era uma coisa nova na história do país, mas não era apenas uma rebelião", explica o padre que atua em Bangui, Hervè Koyassambia Kozondo.
Segundo seu relato, esses grupos "destruíram as estruturas, operando com violência gratuita contra os civis".
"Eles iniciaram a destruição da cultura nacional, dos órgãos públicos e dos símbolos da nação, retrocedendo a qualquer coisa de uma matriz religiosa. Com isso, nasceu um sentimento antimuçulmano na população cristã que programou uma ação para evitar a destruição das estruturas de suas igrejas: todas as dioceses foram danificadas", conta o padre.
Ainda de acordo com Kozondo, por causa desse sentimento contra os islâmicos, "surgiu um movimento de resistência dito cristão.
Eles dizem ser cristãos, têm armas russas e o movimento é instrumentalizado em nível político". "Os bispos sempre disseram que isso não tem nada de cristão, nem como espírito nem como identidade, e sem essas ações anticristãs não haveria um ódio antimuçulmano", destacou.
"Temos grandes esperanças sobre a Plataforma, mas ela funciona apenas até certo ano. Por exemplo, o Imã não tem poderes sobre os muçulmanos agressivos. Trabalha-se para que o Papa possa encontrar uma situação tranquila e melhor. O problema não é se o Papa está seguro na mesquita, mas se depois que ele for embora, continuará a ser seguro para qualquer um", disse Kozondo.
Não apenas na RCA, que enfrenta a Séléka (grupo muçulmano) e a Anti-Balaka (grupo cristão), mas também na Somália com o al-Shabaab ou na Nigéria com o Boko Haram, a instrumentalização da religião para fins invasivos está sempre no centro.
As organizações violetas sempre atingiram qualquer um que ameaçasse seus projetos, sejam muçulmanos, cristãos, ateus ou de qualquer religião. "Os terroristas nigerianos mataram nesses últimos anos mais muçulmanos que cristãos e a cada vez que atacaram os cristãos o fizeram porque conseguiram divulgar o feito a nível internacional. A religião representa para eles, em muitos casos, o pretexto para afirmar interesses hegemônicos, contrários ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana", conta o padre Giulio Albanese.
A história recente da África mostra inúmeras tentativas de diálogo inter-religioso para a pacificação. Na década de 1990, no norte de Uganda, nasceu a ARLPI (Iniciativa Acholi de Líderes Religiosos pela Paz, na sigla em inglês), com papel inter-religioso que atuou incessantemente na busca para uma solução não violenta através da negociação entre os rebeldes do Exército de Resistência do Senhor (LRA), liderado por Joseph Kony, e o governo de Kampala.
Em Serra Leoa, também nos anos 1990, os rebeldes da Frente Unida Revolucionária (RUF) perpetravam crimes inconcebíveis contra a população civil pobre. Naqueles anos, no ex-protetorato britânico da África Ocidental, teve um papel significativo no difícil processo de pacificação nacional a criação do Conselho Interrreligioso de Serra Leoa (IRCSL), onde líderes muçulmanos, católicos e protestantes se ofereceram como mediadores nas negociações entre o governo de Freetown e os rebeldes e conseguiram resolver a situação sem pegar em armas.