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Sete semelhanças entre o Terço e a Missa Tradicional

Paramentos Litúrgicos

Como todos os seres humanos normais sabem, e como aparentemente os reformadores litúrgicos não sabiam,  a repetição é extremamente útil e importante em todo o discurso humano – como demonstrado nas linhas rítmicas dos poetas, nas conversas íntimas das pessoas que se amam, nas elevadas visões dos místicos, nas árias dos compositores de ópera, e nos frequentes pedidos das crianças para ouvir a mesma história. Nós repetimos aquilo que é amoroso para aqueles que amamos. O Terço exemplifica esta prática, mas também a liturgia tradicional, seja a Santa Missa ou o Ofício Divino. As muitas repetições aqui reforçam, amplificam e dão expressão aos pensamentos e sentimentos do coração.

Foi um exercício cruel de racionalismo cortar as supostas “inúteis” repetições como os muitos beijos do altar, as muitas enunciações “Dominus vobiscum”, o Confiteor duplo, as nove vezes do Kyrie, os sinais da Cruz, as múltiplas orações antes da comunhão, o duplo “Domine, non sum dignus” dito três vezes. Pergunto-me se os responsáveis por esta deformação tiveram o desgosto de serem crianças negligenciadas que não ouviram poesia ou histórias repetidas vezes sem conta.

O único tipo de repetição que Nosso Senhor proíbe é repetição manipulativa ou sem razão. Quando uma pessoa repete vocábulos sem intenção nenhuma, ou repete palavras como feitiços que podem exercer poder sobe um outro objecto (incluindo dirigidos aos deuses, na maneira pateta como alguns pagãos os pensam). Piedade católica tradicional usa a repetição numa maneira inteiramente diferente, para honra de Deus e benefício da alma.

2- Concentração em mistérios, não em atividade.

O Terço é como o saltério de Nossa Senhora: é, por assim dizer, os 150 salmos dos pobres. Mas estes pobres somos cada um de nós, todos nós; somos pobres pedintes que se ajoelham diante do trono de Deus, procurando a Sua misericórdia e bênção às mãos da Sua Santa Mãe. As orações do Terço são em si duma riqueza sem medida, inesgotáveis, a fonte de uma vida de união orante com Jesus.

Algum tempo após o aparecimento do Terço, a meditação nos mistérios da vida de Jesus e Maria foi adicionada como enquadramento para as dezenas. Notem como o Terço nos faz abrandar e focar a nossa atenção nos mistérios divinos, não no apostolado externo ou num activismo frenético. Aponta mais parao ser do que para o fazer. A Missa tradicional, também, é libertada da estranha preocupação dos nossos tempos com a utilidade, com os resultados instantâneos e com nova evangelização de tudo. O Terço e a Missa formam-nos, alimentam-nos e envolvem-nos nos mistérios de Nosso Senhor, através de quem somos salvos. Isto é o pré-requisito para fazer o que for pelo reino de Deus – e é o objectivo de todo o trabalho que fazemos.

3- Foco no Senhor e na Sua Mãe, não no povo. 

O Terço, mesmo quando recitado em grupo, é ainda uma oração “vertical”: não é sobre o grupo, ou acerca do grupo, ou focado em atender às suas necessidades reais ou estimadas, ou uma tentativa de persuadir ou incentivar alguma resposta em particular. Como a Missa, faz de facto as pessoas mais unidas, responde às nossas necessidades, e extrai de facto respostas. Mas a sua atenção, o seu propósito, toda a sua orientação, é outra.

Isto é talvez o aspecto mais notável e digno de louvor da Missa tradicional: em todas as alturas, excepto a homilia, a Missa é manifestamente um acto de culto dirigido a Deus Omnipotente, Pai, Filho e Espírito Santo, um exercício do sacerdócio de Cristo e um sacrifício do Seu Corpo e Sangue. Claramente não é um get-together social no qual o celebrante e a congregação se voltam uns para os outros e são servidos refrescos.

4- Escola de disciplina.

Conquanto não haja nada de errado com recitar o Terço sentado, muitas pessoas rezam-no ajoelhadas. Isto é duro para os joelhos e para as costas: não é por nada que ajoelhar é considerado uma postura penitencial nas Igrejas Orientais, e que os católicos tradicionalmente ajoelham-se no sacramento da penitência. O Terço é uma oração que convida, e de certa medida, exige, disciplina: a disciplina do corpo, e ainda mais, da alma. Quando a atenção começa a deambular, temos de gentil, mas firmemente, trazê-la de volta para a oração. É uma oração de perseverança: temos de lhe aderir, para o que der e vier. O diabo certamente não que que continuemos a rezar o Terço. Pelo menos na minha experiência de vida, o Terço não é uma oração que se compreenda automaticamente; temos de crescer para junto dela, com confiança nas promessas de Nossa Senhora.

A Missa antiga é um verdadeiro bootcamp de disciplina espiritual. Na Missa rezada, é costume, pelo menos nos Estados Unidos, ajoelhar durante quase toda a Missa, do princípio ao fim. Não consigo expressar a ajuda que isto tem sido para a minha preguiça. Na Missa solene, também, há muitos momentos de joelhos, e toda a liturgia é longa – sem pressa aqui, e sim, Deus é mais importante que tudo o resto que nós ou as nossas famílias possam estar a fazer em casa, portanto ultrapassemos a nossa impaciência. Se alguém tem um grande número de filhos, os desafios acumulam.[1] O Terço e o rito antigo da Missa exigem – e recompensam – a disciplina.

5- Uso de sinais tangíveis junto com oração vocal e mental.

Estou convencido que uma das simples razões pelas quais gostamos do Terço é que é um objecto físico: um conjunto de contas, agrupadas em padrões, com medalhas e um crucifixo. Os católicos tendem a gostar de coisas físicas, porque Deus as ama. Ele criou o mundo material para se tornar uma das maneiras de comunicar connosco e uma das maneiras nas quais podemos comunicar com Ele.

Portanto o Terço não é apenas um conjunto de palavras (a maldição da verbosidade), nem um Monte Evereste de oração mental (a maldição da devotio moderna levada ao extremo), mas uma tríade harmoniosa: as palavras repetidas, os mistérios ordenados e as contas. Há algo para cada um de nós – e, para ser honesto, isto significa que, por vezes, parte de nós vai saltar e liderar o resto de nós. Alguma vez notámos que há dias em que parecer que os nossos dedos estão a rezar mais que os lábios e a mente? Temos de ser suficientemente humildes para ser carregados pelas nossas próprias mãos.

A comparação com a Missa tradicional não está longe. Está mais repleta de sinais físicos do sagrado, do princípio ao fim, dando-nos mais cavilhas às quais agarramos as nossas orações. Permite uma grande latitude para a meditação: ninguém está constantemente à espera que se faça isto, diga aquilo, “todos juntos agora”! Há silêncio para descansar, canto para nos expandirmos, cerimónia para assistir, tempo e espaço para rezar, e, quando Deus nos favorece, uma conexão intemporal com Ele que nada mais pode trazer. A Missa antiga não é demasiado cerebral ou demasiado dita, como se fosse uma palestra apontada a melhorar moralmente os fiéis (diversas vezes um esforço vão, até na melhor altura). É um acto de culto ao qual nos podemos agarrar, no qual podemos encontrar Deus.

Os Missal, bem manuseado, daqueles que ouvem Missa, e os véus bem usados pelas mulheres, são como as contas do Terço, lembretes tangíveis do que estamos a fazer. É suficiente olhar de soslaio para uma antífona ou para uma página do Ordinário para levar os nossos pensamentos dispersos de volta para o mistério central.

6- É recebido como algo basicamente inalterado por séculos.

O Terço existe há muito tempo – e não nos atrevamos a brincar com ele.[2] Não sugerimos um “Terço reformado” do qual todas as “repetições inúteis” foram retiradas. Não transformamos a forma recebida, do avesso, para a tornar mais aceitável ou ameno para o homem moderno. Não o desfazemos por ter desenvolvimento medieval ou como uma relíquia suplantada de crédula “Mariolatría”. Não; nós mantemo-lo, valorizamo-lo, preservamo-lo, entregamo-lo intacto aos nossos filhos.

A lógica, a atitude, a espiritualidade é a mesma no que toca à Santa Missa. Na sua forma clássica, o Rito Romano em Latim foi desenvolvido organicamente por 1500 anos – com o seu desenvolvimento a abrandar nos séculos recentes, porque tinha atingido perfeição formal, perfeitamente proporcionada à glorificação do Deus Uno e Trino e às necessidades da comunidade orante. Somos humildemente privilegiados ao receber este tesouro imenso. Amamo-la e vamos entregá-la aos nossos filhos.

7- Nossa Senhora é invocada, pelo nome, muitas vezes.

Isto é obviamente verdade no Terço, o que torna esta devoção num correctivo saudável ao racionalismo protestante que reduziria a oração a dirigirmo-nos a Deus apenas, ignorando a Sua Mãe e todos os Seus filhos, os santos, e desta maneira insultando-O e pecando contra as Suas disposições providenciais.

Da mesma maneira, a Missa tradicional exalta adequadamente Nossa Senhora mencionando-a várias vezes – nas orações fixas apenas, 10 ou 11 vezes, dependendo do dia.[3] Neste honrar frequente da Santa Theotokos, o Rito Romano mostra o seu parentesco com todas as outras liturgias cristãs autenticas, como a Divina liturgia de S. João Crisóstomo.

A liturgia tradicional, como o Terço, nunca se cansa de voltar a chamar a sua memória e de invocar a intercessão da toda-gloriosa Mãe do nosso Deus e Senhor, Jesus Cristo.

Talvez parte da razão para a continua popularidade do Terço seja que ele nutre a vida espiritual em várias maneiras semelhantes àquelas como a Missa tradicional fazia (e ainda faz, onde existe). Isto talvez possa explicar também o encaixe natural entre assistir a uma Missa rezada, rezando o Rosário. Enquanto rezar o Rosário durante a Missa talvez não seja a forma ideal de participar interiormente nas riquezas da sagrada liturgia, sabemos que a Igreja, ainda assim não proíbe ou desencoraja tal coisa na Missa rezada, e apenas apontamos que existe parentesco entre a oferta silenciosa da oração pública da Igreja e da reza silenciosa do terço de Nossa Senhora.

Existe consolação neste facto, Pois, se estamos correctos, a oração do Terço está a preparar um largo contingente de católicos para redescobrir e regressar à Missa antiga, tão profunda e puramente mariana na sua espiritualidade.[4]

Salve, Rainha do Santíssimo Rosário! Salve, Nossa Senhora da Victoria! Rogai por nós pecadores neste vale de lágrimas, e obtende de Vosso Filho a muito esperada restauração da grande e bela liturgia da Igreja Romana. Amen.

Peter Kwasniewski in Rorate Caeli

Notas:

[1] Ver o artigo “Ex ore infantium: Children and the Traditional Latin Mass” e os links lá providenciados. [2] Claro que os Mistérios Luminosos são uma espécie de invenção, mas a ideia de usar mistérios alternativos da vida do Senhor é muito antiga e recomendada pelo próprio apóstolo do Rosário, S. Luís Maria Grignion de Monfort. Isto não significa, no entanto, que os católicos têm de adoptar os Mistérios Luminosos; até João Paulo II os apresentou como opcionais. [3] A variação é causada pela diferença entre a Missa rezada e a Missa solene. [4] Algo como isto, é claro, estava a acontecer de maneira espontânea e orgânica com os Frades Franciscanos da Imaculada. (Fonte: Senza Pagare)

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