Santos

O martírio de São João Batista

Paramentos Litúrgicos

A exemplo da Crucificação de Jesus, o cruel destino que teve São João Batista também ficou para sempre gravado na memória da humanidade: a história do Profeta do Altíssimo, mártir defensor do Sacramento do Matrimônio. Ele ousou levantar a voz para denunciar o adultério do rei, que se dizia hebreu, e ironicamente acabou assassinado não por sua vontade, pois o temia, mas por astúcia de sua côrte, lugar costumeiramente frequentado e assediado por pessoas da pior espécie. A ‘nobreza’, muitas vezes, representa o que um povo tem de pior.

Levita como São Mateus, Profeta de primeiríssima grandeza, ele foi o arauto da Vinda do Salvador, como anunciou seu pai, o sacerdote Zacarias, no dia em que nasceu: “E tu, menino, serás chamado Profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor e Lhe prepararás o Caminho, para dar ao Seu povo conhecer a Salvação, pelo perdão dos pecados.” Lc 1,76-77

Isso havia sido previsto pelo anjo do Senhor, que o descreveu com um reorientador dos pais para o bem das famílias, um dissuasor de vãs rebeldias e o preparador do povo para o encontro com o Messias: “… irá adiante de Deus com o espírito e poder de Elias para reconduzir os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à Sabedoria dos justos, para preparar ao Senhor um povo bem disposto.” Lc 1,17

São João Batista, pois, não ‘conseguia’ calar-se, não se permitia deixar de proclamar as Verdades de Deus. E não alimentava projetos de permanecer por muito tempo nesse mundo; vivia ‘outra’ realidade, ou melhor, a verdadeira realidade: o Reino dos Céus, como anunciava Jesus: “Mas se expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente é chegado a vós o Reino de Deus.” Lc 11,20

Como escolheu o deserto, e o povo é que ia até ele, à sua volta a Verdade tinha que prevalecer, a qualquer custo. Não por acaso, Jesus vai questionar aqueles que por ele foram batizados: “Tendo eles partido, disse Jesus à multidão a respeito de João: ‘Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Que fostes ver, então? Um homem vestido com roupas luxuosas? Mas os que estão revestidos de tais roupas vivem nos palácios dos reis. Então por que fostes para lá? Para ver um profeta? Sim, digo-vos Eu, mais que um profeta. É dele que está escrito: ‘Eis que Eu envio Meu mensageiro diante de Ti para Te preparar o Caminho’ (Ml 3,1). E, se quereis compreender, ele é o Elias que devia voltar. Quem tem ouvidos, ouça.” Mt 11,7-10.14-15

Sua missão custou-lhe a vida, mas, podemos ter certeza, ele faria tudo de novo, pois sua missão estava em perfeita sintonia com a Boa Nova anunciada por Jesus, que pregou: “Não temais aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes Aquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena.” Mt 10,28

Ele não se arrependeria, portanto, de ter condenado nem a devassidão do rei nem a corrupção dos costumes, que imperava na côrte e na sociedade judaica à época, inclusive entre religiosos. Sua pregação pois, era tão contundente quanto clara: “Ao ver, porém, que muitos dos fariseus e dos saduceus vinham ao seu batismo, disse-lhes: ‘Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera vindoura? Dai, pois, frutos de verdadeira penitência. Não digais dentro de vós: ‘Nós temos a Abraão por pai!’ Pois eu vos digo: Deus é poderoso para suscitar destas pedras filhos a Abraão.'” Mt 3,7-9

Ora, o próprio São João Batista era ele mesmo um penitente: “João usava uma vestimenta de pelos de camelo e um cinto de couro em volta dos rins. Alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre.” Mt 3,4

Assim, silêncio ou desfaçatez perante a crescente degeneração moral eram-lhe uma grande ofensa a Deus, porque viviam-se os tempos da espera do Messias. Por isso sua ‘rebeldia’ era santa; sua profunda indignação impedia-lhe de viver na indiferença. ‘Aqueles tempos’ eram por demais sérios. Jesus mesmo arguia: “Dizia ainda ao povo: ‘Quando vedes levantar-se uma nuvem no poente, logo dizeis: Aí vem chuva. E assim sucede. Quando vedes soprar o vento do sul, dizeis: Haverá calor. E assim acontece. Hipócritas! Sabeis distinguir os aspectos do céu e da terra; como, pois, não sabeis reconhecer o tempo presente?'” Lc 12,54-56

E acusou: “Porque se nesta geração adúltera e pecadora alguém se envergonhar de Mim e das Minhas palavras, também o Filho do homem Se envergonhará dele, quando vier na Glória de Seu Pai com os Seus santos anjos.” Mc 8,38

As classes mais altas e as autoridades religiosas judaicas, de fato, curvavam-se não só a ‘sabedoria’ de estrangeiros como também à indecência, aos desmandos e às profanações perpetradas pela corte romana. O bacanal de Herodes era só um exemplo. Muitos judeus tomavam parte ativa nos seus ‘cultos’, pois para eles Herodes seria o próprio Messias, e, de tão pervertidos, até conspirariam contra Jesus: “Saindo os fariseus dali, deliberaram logo com os herodianos como O haviam de matar. ” Mc 3,6

Por isso Jesus vai exigir de todos esses falsos religiosos que devolvessem o povo a Deus: “Reuniram-se então os fariseus para deliberar entre si sobre a maneira de surpreender Jesus nas Suas próprias palavras. Enviaram seus discípulos com os herodianos, que Lhe disseram: ‘Mestre, sabemos que és verdadeiro e ensinas o Caminho de Deus em toda a Verdade, sem Te preocupares com ninguém, porque não olhas para a aparência dos homens. Dize-nos, pois, o que Te parece: É permitido ou não pagar o imposto a César?’ Jesus, percebendo sua malícia, respondeu: ‘Por que Me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda com que se paga o imposto!’

Apresentaram-Lhe um denário. Perguntou Jesus: ‘De quem é esta imagem e esta inscrição?’ ‘De César’, responderam-Lhe. Disse-lhes então Jesus: ‘Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.'” Mt 22,16-21

Mas tudo isso era demais, inaceitável para São João Batista. Cioso das maiores responsabilidades, após anunciar o Cristo, não lhe restava outra coisa senão continuar vivendo o que pregava: negar-se a si mesmo: “Importa que Ele cresça e que eu diminua.” Jo 3,30

Para que entendamos o que ele queria dizer com essa frase, um misto de dever cumprido e resignação quanto à vontade de Deus, basta lembrar o que disse o próprio Jesus: “Eu vim lançar fogo à terra, e que tenho Eu a desejar se ele já está aceso?” Lc 12,49

Significativamente, para alguém que veio batizar, o brutal martírio de nosso Santo foi também um batismo, tal e qual Jesus havia previsto para Si, para os Apóstolos e para tantos outros Seus seguidores: “Vós bebereis o cálice que Eu devo beber e sereis batizados no batismo em que Eu devo ser batizado.” Mc 10,39

Vemos então que o Batista não poderia simplesmente passar por esse mundo, como muitos de nós pretendemos. E seu destino, que não nos enganemos, não foi a desgraça de uma morte horrível, mas a Eterna Glória. Não lhe importava a violência ou a humilhação desse batismo, mas seu compromisso com a Verdade, com Deus. É Jesus Quem faz a melhor síntese de sua missão, ao falar aos religiosos da época: “Vós enviastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da Verdade.” Jo 5,33

Essa era questão muito cara a Jesus, a essência de Sua própria Missão. Ele disse diante de Pilatos: “É para dar testemunho da Verdade que nasci e vim ao mundo. Todo aquele que é da Verdade ouve a Minha voz.” Jo 18,37b

E tão horrendo destino foi também o do Cristo, como Ele disse ao aproximar-se o momento de Seu Martírio: “Respondeu-lhes Jesus: ‘É chegada a hora para o Filho do Homem ser glorificado. Presentemente, a Minha alma está perturbada. Mas que direi?… Pai, salva-Me desta hora… Mas é exatamente para isso que vim a esta hora.'” Jo 12,23.27

Aliás, em certo sentido, é o que Ele determinou a todos nós: “Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas o que perder a sua vida por amor a Mim e ao Evangelho, salvá-la-á.” Mc 8,35

De fato, São João Batista cumpriu muito bem sua missão. Primeiro, pregando o arrependimento dos pecados, e assim preparar o povo de Israel para encontrar-se com Deus Jesus: “Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judeia. Dizia ele: ‘Fazei penitência porque está próximo o Reino dos Céus.'” Mt 3,1-2

Em seguida, tomando Confissões e batizando, para purificar-lhes os pecados: “Pessoas de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a circunvizinhança do Jordão vinham a ele. Confessavam seus pecados e eram batizados por ele nas águas do Jordão.” Mt 3,5-6

Com efeito, esse era o sentido do seu batismo, como vai dizer São Lucas: “Ele percorria toda a região do Jordão, pregando o batismo de arrependimento para remissão dos pecados…” Lc 3,3

Por fim, ao encontrar Jesus, identificou n’Ele o Redentor: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.” Jo 1,29

E deu esse testemunho: “É Este de Quem eu disse: ‘Depois de mim virá um homem, que me é superior, porque existe antes de mim.’ Eu não O conhecia, mas, se vim batizar em água, é para que Ele Se torne conhecido em Israel. (João havia declarado: ‘Vi o Espírito descer do Céu em forma de uma pomba e repousar sobre Ele.) Eu não O conhecia, mas Aquele que me mandou batizar em água disse-me: ‘Sobre Quem vires descer e repousar o Espírito, Este é Quem batiza no Espírito Santo.'” Jo 1,30-33

Em seu louvor, Jesus declarou que o Batista era o maior dentre os homens. Contudo, antes de Sua Ressurreição, ele era inferior às criaturas celestiais: “Pois vos digo: entre os nascidos de mulher não há maior que João. Entretanto, o menor no Reino de Deus é maior do que ele.” Lc 7,28

De fato, o autor da Carta aos Hebreus vai invocar esse interlóquio entre o salmista e Deus: “Alguém em certa passagem afirmou: ‘Que é o homem para que dele Te lembres, ou o filho do homem, para que o visites? Fizeste-o, por pouco, menor que os anjos… (Sl 8,5-6a).” Hb 2,6-7a

Por sua grandeza, portanto, embora haja evidências em contrário, ele poderia muito bem ser um dos Santos que ressurgiram logo após a Ressurreição de Jesus, como registrou São Mateus: “Os sepulcros abriram-se e os corpos de muitos justos ressuscitaram. Saindo de suas sepulturas, entraram na Cidade Santa depois da Ressurreição de Jesus e apareceram a muitas pessoas.” Mt 27,52-53

E falando sobre Jesus, São João Batista disse uma frase que ainda hoje ecoa nos ventos e em nossos ouvidos: “… no meio de vós está Alguém que vós não conheceis.” Jo 1,26

Assim, pelo exemplo desse eremita, um legítimo essênio, devemos ser mais conscientes de nosso compromisso com a Verdade, isto é, a obrigação de testemunhar o Cristo. Não podemos simplesmente admirar sua coragem: seria muito pouco! Foi o que disse Jesus: “João era uma lâmpada que ardia e iluminava; vós, porém, só por uma hora quisestes alegrar-vos com a sua luz.” Jo 5,35

Jesus está no meio de nós, como disse o Batista. Não desprezemos esse anúncio que lhe custou tão caro. Não nos alegremos com a luz do último grande profeta só por uma hora. Seu martírio é um sinal da força do Espírito Santo que o movia, assim como da Glória que lhe esperava. E apesar de destemido, ele tudo fez na mais perfeita humildade: “Eu batizo-vos com água, em sinal de penitência, mas Aquele que virá depois de mim é mais poderoso do que eu e nem sou digno de carregar Seus calçados. Ele vos batizará no Espírito Santo e em fogo.” Mt 3,11

Isso bem explica sua reação ao ver Jesus: “Da Galileia foi Jesus ao Jordão ter com João, a fim de ser batizado por ele. João recusava-se: ‘Eu devo ser batizado por Ti e Tu vens a mim?'” Mt 3,13-14

De fato, diferentemente dos grandes profetas que lhe antecederam, o Batista não realizou nenhuma maravilha sequer. O próprio povo testemunhou sobre ele: “João não fez milagre algum… ” Jo 10,41

Sua autoridade vinha tão somente da realidade que ele francamente vivia: “O menino foi crescendo e fortificava-se em espírito; e viveu nos desertos até o dia em que se apresentou diante de Israel.” Lc 1,80

E por isso tinha autoridade para pregar: “Perguntava-lhe a multidão: ‘Que devemos fazer?’ Ele respondia: ‘Quem tem duas túnicas dê uma ao que não tem; e quem tem o que comer, faça o mesmo.'” Lc 3,10-11

Deixou, enfim, uma ruidosa recomendação que vale para todos funcionários públicos, especificamente no que concerne ao salário: “Do mesmo modo, os soldados lhe perguntavam: ‘E nós, que devemos fazer?’ Respondeu-lhes: ‘Não pratiqueis violência nem defraudeis a ninguém, e contentai-vos com o vosso soldo.'” Lc 3,14

SEU MARTÍRIO, SEGUNDO SÃO MARCOS:

“Pois o próprio Herodes mandara prender João e acorrentá-lo no cárcere, por causa de Herodíades, mulher de seu irmão Filipe, com a qual ele se tinha casado. João tinha dito a Herodes:

– Não te é permitido ter a mulher de teu irmão.

Por isso Herodíades odiava-o e queria matá-lo, não o conseguindo, porém. Pois Herodes respeitava João, sabendo que era um homem justo e santo; protegia-o e, quando o ouvia, sentia-se embaraçado. Mas, mesmo assim, de boa mente ouvia-o.

Chegou, no entanto, um dia favorável em que Herodes, por ocasião do seu natalício, deu um banquete aos grandes de sua corte, aos seus oficiais e aos principais da Galileia. A filha de Herodíades apresentou-se e pôs-se a dançar, com grande satisfação de Herodes e dos seus convivas. Disse o rei à moça

– Pede-me o que quiseres, e eu to darei.

E jurou-lhe:

– Tudo o que me pedires te darei, ainda que seja a metade do meu reino.

Ela saiu e perguntou à sua mãe:

– Que hei de pedir?

E a mãe respondeu:

– A cabeça de João Batista.

Tornando logo a entrar apressadamente à presença do rei, exprimiu-lhe seu desejo.

– Quero que sem demora me dês a cabeça de João Batista.

O rei entristeceu-se; todavia, por causa da sua promessa e dos convivas, não quis recusar. Sem tardar, enviou um carrasco com a ordem de trazer a cabeça de João. Ele foi, decapitou João no cárcere, trouxe a sua cabeça num prato e a deu à moça, e esta entregou-a à sua mãe.

Ouvindo isto, seus discípulos foram tomar o seu corpo e depositaram-no num sepulcro.” Mc 6,17-29

São Mateus complementa: “Depois foram dar a notícia a Jesus.” Mt 14,12

“São João Batista, rogai por nós!”

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